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Judiciário permite que alienação fiduciária garanta dívida futura

TJ aceita contrato "guarda-chuva" desde que haja limite para cobrança

Adriana Aguiar

A Justiça estadual de São Paulo admitiu, em uma decisão considerada inédita, que um contrato de alienação fiduciária firmado entre um banco e uma empresa para dar cobertura em operações de crédito pode ser utilizado também para garantir dívidas futuras - com a ressalva de que essa extensão esteja expressamente prevista no contrato e apresente um limite sobre o valor da dívida a ser garantida. Com a decisão, os chamados contratos "guarda-chuva" - no qual a escritura amplia seu alcance para garantir qualquer operação que venha a ser firmada entre as partes - ganham uma confirmação de sua validade no tribunal paulista. Advogados afirmam que não há decisões sobre o tema em outros tribunais.

O caso julgado no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) envolve uma empresa que ofereceu um imóvel no valor de R$ 8,6 milhões para assegurar o pagamento de créditos concedidos em um contrato de alienação fiduciária fechado com um banco. Ela argumenta na ação que a garantia seria válida apenas para uma dívida específica, já quitada. No entanto, como a companhia possui outras operações de crédito com o banco, acumulando uma dívida total de R$ 10,2 milhões, os advogados da instituição financeira, Luiz Gustavo de Oliveira Ramos e Roberta Bortot, do escritório Rayes, Fagundes & Oliveira Ramos Advogados Associados, alegaram que o contrato prevê expressamente a possibilidade de garantia de toda e qualquer dívida em até R$ 8,6 milhões - valor da garantia.

O argumento do banco foi acolhido, por unanimidade, pelos desembargadores da 28ª Câmara do TJSP, que manteve o leilão do bem na execução da dívida. Segundo a decisão, o contrato seguiu todas as as regras impostas no artigo 24 da Lei nº 9.514, de 1997, que trata da alienação fiduciária. Além disso, como há um limite a ser cobrado estipulado no contrato, os desembargadores admitiram ser possível utilizá-lo como garantia em dívidas futuras.

O julgamento abre um importante precedente a favor dos bancos, segundo seus advogados, na medida em que esse tipo de contrato, que prevê a possibilidade de cobrir qualquer operação, tem sido cada vez mais utilizado pelos bancos. "A decisão traz mais uma segurança ao mercado de que esses contratos serão cumpridos", afirma Oliveira Ramos. O entendimento é pioneiro, pelo menos ao que se tem notícia, ao tratar da questão dos contratos de alienação fiduciária para garantir dívidas futuras. Até então, a questão só havia sido tratada em casos que envolvem penhor ou hipoteca, segundo a advogada Roberta Bortot. Com relação à hipoteca, o artigo 1.487 do novo Código Civil admite que ela pode ser constituída para garantir uma dívida futura. Já sobre a alienação fiduciária não há previsão em lei - e a possibilidade dependerá da interpretação do Poder Judiciário. "É difícil trabalhar com analogia com relação a essas garantias para pedir o mesmo tratamento dado às hipotecas", afirma o advogado Luiz Roberto de Assis, do escritório Levy & Salomão Advogados, que também assessora bancos. "Acredito que o caminho tomado nessa recente decisão, ao admitir a aplicação para dívidas futuras, desde desde que haja um valor máximo a ser garantido, é o mais acertado", diz. Segundo ele, a decisão é importante pois esses contratos costumam ser muito caros para serem firmados em cada concessão de crédito efetuada. O advogado Luciano Garcia Rossi, da banca Pinheiro Neto Advogados, também afirma que a decisão é inovadora e que a discussão desses contratos na Justiça não é algo comum. "Em geral, há negociação entre bancos e empresas e os contratos não costumam chegar ao Judiciário", afirma.

O caso julgado pelo TJ paulista envolve uma empresa em recuperação judicial - situação em que a maioria dos credores fica com seus créditos suspensos. Nesses casos, os contratos de alienação fiduciária têm sido excluídos dessa suspensão, pois o parágrafo 3º do artigo 49 da nova Lei de Falências estabelece que eles não se submeterão à recuperação judicial por serem irrevogáveis - o que tem sido confirmado pela segunda instância da Justiça na maioria dos casos. Por isso, diz a advogada Roberta Bortot, o leilão poderá ser marcado independentemente da situação em que se encontra a recuperação judicial da empresa.