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É preciso ter cuidado na escolha da arbitragem, já que há árbitros diferentes, nem sempre advogados, para tratar de problemas de perfis diferentes, segundo Ana Claudia

É que nem casamento: quando as duas partes não se entendem de jeito nenhum, o negócio é chegar às vias de fato. Ou, no caso de franqueados e franqueadores, procurar as câmaras de arbitragem regulamentadas pela Lei 9307/96, recurso que tem sido cada vez mais utilizado para resolver conflitos de forma mais rápida, sem necessidade de recorrer ao judiciário, e que tem crescido em torno de 10% ao ano – principalmente por parte dos donos das redes.

Os dados são do Conselho de Arbitragem do Estado de São Paulo (Caesp), que há 16 anos promove esse tipo de acordo que, pela lei, deve ser resolvido em 180 dias (mas que podem chegar a no máximo um ano, dependendo do caso), contra os 10, 15 anos que os processos normais habitualmente levam tramitando na Justiça comum devido a "infinitos recursos e infinitas instâncias que os envolvem", explica Ana Claudia Pastore, superintendente do Caesp.

E são vários os fatores que levam uma relação entre franqueadores e franqueados a chegar a esse ponto. Entre os principais levantados pelo Caesp estão a falta de pagamento de propaganda e royalties, com 20% do total de processos. O percentual é o mesmo em infrações como descaracterização do padrão de loja, ou de franqueados que "viram a bandeira" – ou seja, que mudam de marca mas continuam usando todo o material, maquinário, etc, relacionados à antiga rede. Já rescisões em geral respondem por 40% dos processos. "Mas também há reclamações frequentes de franqueados, como descumprimento da cláusula de raio (quando o franqueador não respeita a garantia de não abrir outra unidade nas imediações), ou inadequação no fornecimento de produtos".

E os benefícios são diversos quando se opta por esse tipo de solução para resolver os conflitos – e como consequência indireta, contribui até para desafogar um pouco o judiciário. Segundo Ana Claudia, em geral, apenas uma audiência tem sido suficiente para franqueador e franqueado entrarem em acordo. Sem contar o baixo custo do processo, que às vezes chega a ser 58% mais barato que o judicial. "O árbitro que intermedia geralmente é especialista no assunto, enquanto um juiz é generalista – o que dificulta a atuação e estende mais o processo. Além do sigilo no correr do processo, a informalidade é outra vantagem, por aceitar ajustes de prazo de acordo com as partes. E a sentença tem o mesmo valor legal daquela de um juiz de toga", completa.

Cuidados – Se antes o nível de desconfiança em relação às câmaras de arbitragem era alto e muitas saíram do mercado, segundo Ana Claudia, hoje as que subsistiram se mostraram ferramentas eficientes para driblar percalços entre franquias e franqueados. Mas, como em geral esse tipo de contrato é de longa duração, impossível não surgirem conflitos – e por isso, não se pode demorar para buscar alternativas para solucioná-los. "Justiça que tarda, falha. Por isso é essencial incluir no contrato de franquias cláusula que eleja a arbitragem para resolver problemas entre as partes durante a relação contratual. Mas vale lembrar que, uma vez que o árbitro decida, não se pode mais recorrer à tutela estatal", explica.

É preciso ter cuidado na escolha da arbitragem, já que há árbitros diferentes, nem sempre advogados, para tratar de problemas de perfis diferentes, segundo Ana Claudia. Também é preciso avaliar se será possível arcar com os valores da causa. "Escolher a Câmara de Comércio Brasil-Canadá, por exemplo, para resolver um problema que envolve franquias, é um tiro no pé. Determinar um advogado para conduzir essa escolha é a melhor alternativa", finaliza.

Do jeito certo

Há 20 anos à frente da Dídio Pizza, Elídio Biazini se orgulha de nunca ter tido problemas com os franqueados da rede que tem planos de saltar de 24 para 320 unidades em dez anos. Mas, a despeito de questões pontuais, solucionadas caso a caso internamente, como o não cumprimento de contratos com fornecedores homologados, ou de não seguir algum padrão de reforma das lojas, tudo corria bem. 

Até chegar ao momento de mudar uma cláusula no contrato de renovação, que blindava a região de atuação de alguns franqueados para evitar canibalismo. "Apesar de negociações cansativas com o grupo, uma das unidades não quis aceitar as mudanças, que eram para protegê-los", conta. Resultado: há quatro anos, o problema se arrasta no judiciário, ainda sem solução. "Se eu tivesse recorrido a essa câmara de arbitragem...", se conforma. 
Depois disso, a mudança: Biazini conta que a rede passou a dialogar mais com franqueados, a apresentar demonstrativos de resultados em prazos menores (a cada três meses), a ajudar a identificar fraudes nas lojas e até comprovar que negociar compras em conjunto – mas distribui-las separadamente, de acordo com as necessidades de cada loja – é vantagem para todos os lados. 
 
Também houve maior investimento em ações focadas em "vender pizza", onde o franqueado sente o aumento no volume de vendas, garante. "Quando (o franqueado) tem esse apoio total, se sente mais seguro e atuante. Mas ele não pode fazer do jeito que ele quer; tem que ser do jeito certo. É assim que funciona o sistema de franquias", finaliza. Em resumo: franqueados satisfeitos, menos problemas para a rede. 
 
Tem hora para desistir?
Para quem quer empreender no franchising, parece até sonho quando finalmente se escolhe a marca e o negócio começa a funcionar. Mas para evitar frustração, ou pior, problemas que chegam às vias de arbitragem ou judiciais, é importante saber escolher – e entender o momento de desistir.

Avaliar qual franquia se pretende investir, pensando que não basta só gostar do produto ou serviço são as dicas básicas para começar. "Gostar de comprar sapatos não é o mesmo que tocar o dia a dia de uma loja de sapatos. É preciso ter afinidade com o dia a dia do negócio", explica Diego Simioni, sócio-diretor da GoAkira, consultoria especializada em franchising. 

Conversar com outros franqueados para saber como é o suporte da rede, a performance de resultados, treinamentos oferecidos, descobrir se há consultores de campo ou remotos para auxiliar no dia a dia da operação é essencial. "Mas o franqueado também tem que começar ciente de que o sucesso não depende só do franqueador, e sim do seu próprio esforço", ressalta.
 
Uma vez dentro da rede, é hora de as partes assinarem a Circular de Oferta de Franquias, "onde estão descritas as regras do jogo", segundo Simioni, e entender bem os detalhes para que reclamações futuras sejam baseadas em evidências. Entre os pontos que geralmente causam conflito, ele cita a escolha do ponto comercial, ou o prazo de retorno do investimento, que não pode ser o mesmo do contrato. "Não faz sentido, pois não dá tempo de recuperá-lo. São detalhes que muitas vezes o futuro franqueado nem percebe".
Outra questão comum são as compras obrigatórias, ou seja, quando o franqueador obriga o franqueado a fazer compras mínimas de produtos, como se fosse para desovar estoques. "É preciso ficar atento aos abusos. Essa conta não pode impactar o fluxo de caixa do franqueado, que conhece o público dele e é responsável pelo que realmente tem que entrar na loja. Nesses casos é preciso avaliar se vale ou não continuar no negócio, e as câmaras de arbitragem podem ajudar a resolver mais rápido", conclui Simioni.