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Interrogações sobre soberania tributária e normas contábeis

Mudança de critério contábil pode alterar profundamente a informação sobre a realidade das informações patrimoniais e de resultados das empresas.

Mudança de critério contábil pode alterar profundamente a informação sobre a realidade das informações patrimoniais e de resultados das empresas.

Raciocínio lógico, portanto, sobre a atual situação nacional, quando fervilham temas como o relativo à Petrobras, em face da controvérsia com a Receita Federal, permite a formulação de muitas perguntas, principalmente de uma deveras relevante: terá o Brasil perdido soberania tributária, ficando a mercê de procedimentos expedidos por entidade particular sediada no exterior que dita critérios sobre informações?

Que rumo estaria sendo imposto ao cenário financeiro, econômico e contábil neste momento em que se lançam tantas dúvidas e se revelam expressivos câmbios em demonstrações de lucros e perdas de empresas?

Porque antes não ocorreu a evidência de tais transformações? Seriam as mesmas adequadas? Verdadeiras? Ou estariam apoiadas no modelo que se está impondo às grandes empresas e que as modifica de forma subjetiva?

A lei 11.638/07 determina que se siga o que denominou “convergência”, ampliando o artigo 177 da Lei 6404/76, ou seja:

§ 5º As normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários a que se refere o § 3o deste artigo deverão ser elaboradas em consonância com os padrões internacionais de contabilidade adotados nos principais mercados de valores mobiliários. (o grifo é meu)

A CVM ficou, pois, por força de lei obrigada a expedir normas contábeis subordinadas aos padrões dos principais mercados de valores mobiliários.

Na prática, em “stricto sensu” isso significaria adotar o que determina uma entidade particular sediada na Inglaterra e que se intitula a IASB - International Accounting Standard Board, mesmo passando por cima de todo um sistema legislativo nacional?

A aludida Lei 11.638/07, ampliando o mesmo artigo 177 da Lei 6404/76, estabeleceu:

§ 7º Os lançamentos de ajuste efetuados exclusivamente para harmonização de normas contábeis, nos termos do § 2o deste artigo, e as demonstrações e apurações com eles elaboradas não poderão ser base de incidência de impostos e contribuições nem ter quaisquer outros efeitos tributários. (o grifo é meu)

Seguindo as normas referidas, pois, por lei o Estado deixa de ter o poder de tributar os ajustes que possam existir quando feitos em decorrência de padrões alienígenas eleitos.

Portanto, pela letra da 11.638/07 a entidade particular normativa IASB - International Accounting Standard Board passaria a ter a regência sobre o que se ajusta contabilmente, com respaldo legal e plena garantia de imunidade tributária.

Sem maiores detalhes a Norma egressa do exterior passaria a ser absoluta para determinar mudanças sem efeitos tributários?

Ocorre que a aludida International Accounting Standard Board, ao ditar os seus conceitos normativos básicos estabelece no Prefácio dos mesmos ( denominado IFRS):

“As demonstrações contábeis são preparadas e apresentadas para usuários externos em geral, tendo em vista suas finalidades distintas e necessidades diversas. Governos, órgãos reguladores ou autoridades fiscais, por exemplo, podem especificamente determinar exigências para atender a seus próprios fins. Essas exigências, no entanto, não devem afetar as demonstrações contábeis preparadas segundo esta Estrutura Conceitual.” (o grifo é meu)

Ostensivo, pois, está, pelo texto hialino, que as Normas denominadas como “internacionais”, egressas de entidade particular sediada na Inglaterra, não aceitam interferência do Poder Público, do fisco especialmente, colocando-se acima do próprio governo da Nação.

Como pela lei 11.638/07 ficou expresso que a CVM seguisse tais normas, estas que não se comprometem com a lei, seria possível deduzir preliminarmente que se transferiu soberania tributária a uma entidade particular sediada no exterior, uma vez que a lei não tem palavras inúteis?

Como as finanças públicas dependem da arrecadação e esta do efeito contábil, não é de duvidar-se que uma economia possa afetar-se em razão de tais eventos?

Tal fato lança, pois, a grave interrogação: teria o Brasil perdido a plena soberania tributária em favor de uma instituição privada não nacional?

Estar-se-ia compelido a cumprir algo que por base declara ostensivamente que está acima da própria lei? Castrou-se o poder pleno de tributar? Ensejou-se vistas grossas a maquilagem de lucros e de perdas?

Como ficaria a Receita Federal perante os “ajustes” a valor de mercado, este que é manipulável pela mídia, esta que pode ser influenciada pelas empresas clientes que se interessam pela especulação?

Teria realmente a Receita Federal perdido parte de sua força perante o simples confronto entre a Lei 11.638/07 e o que dispõe as Normas (IRFS)?

É admissível que a Medida Provisória 449/08, em redação final, no Capitulo III, sobre o denominado “Regime de Transição”, tenha confirmado tal impacto?

Estabelece a redação final aprovada:

Art. 15. Fica instituído o Regime Tributário de Transição – RTT de apuração do lucro real, que trata dos ajustes tributários decorrentes dos novos métodos e critérios contábeis introduzidos pela Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei.

§ 1º O RTT vigerá até a entrada em vigor de lei que discipline os efeitos tributários dos novos métodos e critérios contábeis, buscando a neutralidade tributária.

Art. 23. A fim de preservar a neutralidade tributária prevista no § 1º do art. 15 desta Lei, os métodos e critérios contábeis introduzidos pela Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007, relativos às contrapartidas de aumentos ou diminuições de valores atribuídos a elementos do ativo e do passivo, em decorrência de sua avaliação a valor justo ou a valor presente, não produzirão efeitos para fins de imposto de renda, da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS e da Contribuição para o PIS/Pasep. (o grifo é meu)

Estaria claro ser o Regime (RTT) adstrito ao estabelecido pela Lei 11.638/07 (só para sociedades por ações e de grande porte porque tal lei a isto se limita) e que a imunidade poderia não ser definitiva? Isso em razão do expresso pelo texto legal, embora, de efeito indefinido ficaria mesmo indefinido? A questão poderá vir a ser de futuro objeto de uma nova lei que venha a regular a neutralidade tributária? O fato estaria apenas no condicional ou não?

Teria o evento o mesmo destino de muitas coisas que neste País foram editadas em leis como provisórias e se perpetuaram?

Apesar, portanto, da transformação da MP 449 em lei, a conservar-se o que foi aprovado, a questão continuaria a inspirar cuidados no tangente à referida “soberania” dificultando as relações entre empresas e a Receita Federal?

Não será deveras preocupante ver que a MP-449 já em última redação venha homologar a prevalência de entidade privada sobre a do poder do Estado, simplesmente para atender a um segmento econômico que é o da especulação bursátil?

 

Tais questionamentos são aqui lançados como razões de reflexões nessa hora de interrogações evocando a necessidade do exercício do dever ético, cívico e profissional.

 

Autor: Antônio Lopes de Sá

www.lopesdesa.com.br

Contato: lopessa.bhz@terra.com.br

 

 

Doutor em Letras, honoris causa, pela Samuel Benjamin Thomas University, de Londres, Inglaterra, 1999 Doutor em Ciências Contábeis pela Faculdade Nacional de Ciências Econômicas da Universidade do Brasil, Rio de Janeiro, 1964. Administrador, Contador e Economista, Consultor, Professor, Cientista e Escritor. Vice Presidente da Academia Nacional de Economia, Prêmio Internacional de Literatura Cientifica, autor de 176 livros e mais de 13.000 artigos editados internacionalmente.